Por Por Mauricio Kenyatta[1]

 

 

Atualmente, ainda reverberam os ecos do fim da história, termo cunhado por Francis Fukuyama, e da ideia de um mundo sem fronteiras, de Kenichi Ohmae. Essas ideias, ainda que sejam muito questionadas, trazem em si um sentimento que condiz, em certa medida, com as transformações do Sistema Internacional contemporâneo: o tempo e o espaço mudaram. Os fenômenos, em escala global, do terrorismo, das crises migratórias e do crime organizado transnacional são consequências dessas transformações. Consequências que se tornam visíveis principalmente no espectro do crime organizado transnacional, da violência e da delinquência, como partes de um contexto de insegurança, nos principais centros urbanos da América Latina.

 

Essas transformações incidem diretamente sobre as concepções de ameaça e insegurança formuladas pelos Estados, as quais geram discursos políticos que são elaborados para a definição de desafios que acabam, por vezes, sendo securitizados junto aos seus cidadãos.

 

Nesse contexto, em 2017, a Argentina reviu a maneira como era organizada e gestada a sua segurança fronteiriça, buscando lidar com os distintos desafios impostos às fronteiras do país. Esse processo de securitização das fronteiras argentinas, em consonância com outras dinâmicas regionais e internacionais, ocorre por meio da implementação dos Decretos 70/2017, 68/2017 e 66/2017, os quais são parte do “Plano Fronteiras Seguras”, que tem como objetivo aumentar a presença do Estado por meio do controle e monitoramento das fronteiras e de seus fluxos, combatendo os diversos ilícitos transnacionais.

 

O Decreto 70/2017 cria o Sistema de Informações Antecipadas dos passageiros nos aeroportos e amplia os motivos pelos quais alguém pode deixar de ser admitido ou ser impedido de permanecer no país. Esse sistema ainda tem o intuito de evitar a saída de procurados por crimes na Argentina e a entrada de estrangeiros que sejam procurados por seus países ou pela Interpol. O Decreto 68/2017 cria a Comissão Nacional de Fronteiras no âmbito da Jefatura de Gabinete de Ministros para regular e coordenar o funcionamento dos Passos Internacionais, dos Centros de Fronteira e demais atividades administrativas na fronteira. O Ministerio de Seguridad, por meio da Gendarmaria Nacional Argentina e da Prefeitura Naval Argentina, será responsável pela segurança dos Passos Internacionais, Centros de Fronteiras e Áreas de Controle Integrado, assim como também pelas ações de força pública que requerem os organismos de controle fronteiriço. Já o Decreto 66/2017 constitui o Centro de Planejamento e Controle subordinado ao Ministerio de Seguridad, que terá a responsabilidade de realocar os efetivos da Gendarmaria e da Prefeitura Naval, aumentando sua atuação nas zonas de segurança fronteiriça.

 

Essas iniciativas argentinas estão conectadas com os desafios de segurança acima mencionados. Afinal, a Argentina receberá no ano de 2018 dois importantes eventos: as Olímpiadas da Juventude e a Cúpula do G20. Esses eventos contribuem para uma maior incorporação do país no cenário de segurança regional e internacional, requisitando que medidas sejam tomadas, como as que aqui abordamos. O processo de segurança fronteiriça desencadeado na Argentina tem inspiração no que se sucedeu nos EUA após o 11 de setembro de 2001 e assemelha-se com políticas brasileiras que tiveram impulso com o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), de 2011, e com o Programa de Proteção Integrada das Fronteiras (PPIF), de 2016. No Brasil, os grandes eventos (Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo, Olímpiadas e Paraolimpíadas) também foram motivações para o adensamento das políticas de segurança fronteiriça.

 

Os decretos argentinos, assim como o PPIF, enfatizam a coordenação interagências governamentais e a cooperação com os países vizinhos para que se possa combater os crimes transfronteiriços. Entretanto, os dois países seguem políticas ainda inadequadas para suas regiões fronteiriças, já que partem de uma lógica de segurança estatal, hierarquizada e centralizada, que não consegue ainda incorporar uma dinâmica multinível que inclua as organizações não-governamentais, a sociedade civil e as próprias populações locais em uma mescla de desenvolvimento social e segurança pública. Essas ausências vêm levando a resultados insatisfatórios e, em alguns casos, ao aumento da violência.

 

Por outro lado, a perspectiva argentina alinha-se com a visão norte-americana de apoiar agências de países que incorporem a agenda de segurança dos EUA, o que tem possibilitado o estabelecimento de um acordo entre a Drug Enforcement Administration (DEA) dos EUA com as forças policiais argentinas na tríplice fronteira com Brasil e Paraguai com o intuito de combater o narcotráfico, de transferir tecnologia e de treinar os oficiais argentinos.

 

O novo ordenamento de segurança fronteiriça da Argentina é um primeiro passo para colocar o país dentro de um novo cenário de segurança internacional, já que na prática a lei que instituiu a zona de segurança de fronteira estava inativa, porque não havia um órgão responsável por implementá-la. Esse novo ordenamento coloca o Chefe do Gabinete de Ministros, o Ministerio de Seguridade e o Ministerio do Interior como principais responsáveis pelas políticas fronteiriças. Essa nova estratégia de controle e vigilância foi, inclusive, apresentada na Conferência Subregional sobre o Fortalecimento dos Controles Fronteiriços e Aduaneiros e a Cooperação Regional e Internacional para a Prevenção e Luta contra o Terrorismo e a Proliferação de Armas de Destruição em Massa, organizada pelo Comitê Interamericano da Organização dos Estados Americanos (OEA). O novo documento despertou o interesse de diversos países presentes no encontro.

 

A nova política de fronteiras da Argentina, enfim, apresenta avanços importantes, mas permanecem lacunas também relevantes. Com o intuito de se recolocar de maneira mais adequada no cenário regional e internacional de segurança, o país está diante de um momento crucial, que passa pela busca por uma perspectiva mais autônoma ou por um alinhamento maior com os EUA. Atualmente, o alinhamento com os EUA parece oferecer maior fortalecimento da posição argentina, principalmente no cenário regional. Entretanto, ainda que essa opção seja a adotada, o país deve considerar o papel das suas comunidades locais fronteiriças e a sua sociedade civil para avançar com suas políticas de segurança fronteiriça de modo que incorpore também suas Forças Armadas em articulação multinível e em interação cooperativa com os vizinhos para uma ação mais efetiva e que gere menos violência sobre a própria vida das comunidades fronteiriças e dos imigrantes que chegam ao país. Essas lacunas permanecem.

 

[1] Doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.