Por Rafael de Morais Lima[1]

 

 

O Relatório Prisma Fiscal do Ministério da Economia, um sistema que coleta as expectativas de mercado, aponta que, em 2020, a Dívida Bruta do Governo Federal alcançará uma parcela de 79% do PIB nacional e o Resultado Primário do Governo Central, em 2019, terá um déficit de 98 bilhões de reais[2]. Durante as eleições, amparado pela expertise de Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro defendeu uma agenda neoliberal, apontando com frequência em suas falas para a necessidade de uma revisão fiscal dos gastos brasileiros, tendo como exemplo a “famosa” reforma da previdência. A contenção e gestão dos gastos são agendas de extrema importância para o Executivo, sendo assunto de embates entre esse e o Legislativo por conta de seu grau de incisão.

 

Da mesma forma, o presidente Jair Bolsonaro contou com amplo apoio da ala militar brasileira, composta por nomes de peso, tanto em expertise quanto em influência institucional. Aqui, começa a intersecção entre o tema da presente análise e a atual conjuntura nacional: a agenda de pesquisa, desenvolvimento, investimento e inovação em defesa nacional é quase que exclusivamente defendida por militares e indústrias do setor, que quando colocados lado a lado com o lobby de outras agendas, como a Agroexportadora, Sindicalista e até mesmo de cunhos Sociais, são ofuscados pela margem de influência de tais grupos.

 

Na 56ª Legislatura, a agenda de defesa nacional, considerada de extrema importância para a concretização da projeção internacional brasileira, não possui uma frente parlamentar própria, o que demonstra uma debilidade nacional para a sensibilidade do ambiente geopolítico mundial. Em dezembro de 2018, o Centro de Ações Preventivas dos Estados Unidos (CPA) lançaram um relatório anual apontando os 30 conflitos e crises com maior probabilidade de incidência para o  ano de 2019 e a América Latina apresentou um dos maiores potenciais conflitos, em nossa vizinha, a Venezuela. Dessa maneira, como a agenda nacional de defesa pode estar passando por um momento de coadjuvante, ocupando um espaço de “gastos e custos” em vez de “investimentos”? O esforço analítico do presente texto vai em direção de dois importantes tópicos: a influência do “estado da economia” na articulação política do orçamento nacional e a falta de insumos para o lobby nacional das indústrias de defesa.

 

Na semana do dia 31 de março, o Senado votará a PEC do Orçamento, que alterará a natureza deliberativa da execução orçamentária para “impositiva”, engessando o orçamento ao tornar obrigatório o pagamento de despesas que até então poderiam ser adiadas, como investimentos (palavra chave para a defesa nacional). Vale-se ressaltar que a indústria de defesa opera em lógica diferente em relação ao mercado privado: o foco é a sobrevivência da nação e não o lucro. Dessa maneira, os investimentos em defesa poderão ser afetados drasticamente, limitando a vontade de grupos de interesse nacional que optaram por se apoiar no presidente, que conforme o que será discutido aqui na frente, tem poder limitado frente aos déficits.

 

Juliano Cortinhas, ao trabalhar a questão do Orçamento de Defesa nos EUA, aborda um tópico essencial proposto por Mayhew: quando a economia apresenta situação deficitária, “a pressão dos grupos de interesse sobre os congressistas aumenta, pois, nenhum ator societal está interessado em perder seus recursos” (CORTINHAS, 2014). Ou seja, a margem de ação do congresso se limita a atender os interesses de certos grupos de poder, em vez de gastar capital “político” com agendas “desnecessárias”. Não se trata de uma política exclusivamente de Guns X Butter, mas sim de uma articulação muito mais complexa, que revela estruturas econômicas prejudiciais às aspirações nacionais de desenvolvimento de capacidade dissuasória. O Executivo, que carregou os anseios da agenda de defesa nacional, tende a ter seu poder de atuação limitado ao encontrar tamanha barreira de interesses no congresso, responsável pela autorização da execução orçamentária. Um tomador de decisão tem em sua frente duas pastas: uma do setor de infraestrutura ou agropecuário e outra das indústrias de defesa nacional. No processo de decisão, quais variáveis ele provavelmente levará em conta? A situação geopolítica da defesa nacional ou a capacidade de emprego e geração de retornos fiscais? A necessidade de defesa da Amazônia Azul ou do superávit na balança comercial?

 

O erro dos principais pensadores e estrategistas das indústrias de defesa nacional foi apostar todas as suas fichas na figura do Chefe do Executivo: apesar de suas boas intenções, era evidente que seu espectro de ação seria reduzido por agendas que, pelo menos ao parecer do congresso e de seus grupos de poder representados, eram mais necessárias. Um claro exemplo é que de 513 deputados federais eleitos, 255 são signatários da Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA e de 81 senadores eleitos, 32 o são. Faz-se necessário pontuar que o presente texto não pretende valorar negativamente ou positivamente a agenda Agropecuária no Brasil. Acredita-se no potencial e na importância de tais assuntos para o desenvolvimento nacional. O ponto chave é que em um cenário de extrema austeridade e seletividade do emprego de capital público, tais agendas tenderão a sobrepor as necessidades da agenda de defesa nacional, principalmente quando se tem um entendimento geral de que a defesa nacional não deve ser objeto de atenção, pois atribui-se ao país a característica de passividade e conciliador no sistema internacional. A realidade, porém, inclusive do entorno sul-americano, tem demonstrado o contrário.

 

Conclui-se a presente análise atribuindo algumas responsabilidades para os principais interessados (institucionalmente) na agenda da defesa nacional. Em primeiro lugar, a defesa nacional, durante muito tempo, se reservou ao “clube” militar, que ao tomar para si toda expertise e “autoridade” sobre o assunto, afastou-o da sociedade civil, essa um dos mecanismos de ressonância no Congresso Nacional. Segundo, apostou-se na ação do Executivo, que não atua isoladamente e depende da articulação com os interesses do Congresso. Terceiro, trabalhou-se de forma pouco incisiva o lobby com o setor civil, que muito pode ser beneficiado com a evolução das tecnologias duais. Quarto, não se apresentou indicadores de externalidades positivas do investimento em defesas contundentes e, por fim, quinto, foi-se incapaz de estabelecer uma linha argumentativa de lobby que apontasse a urgência dos investimentos em capacidades de defesa nacional.

 

Dispensando previsões geopolíticas, as políticas nacionais de defesa (políticas públicas antes de tudo) sofrerão com o papel de coadjuvante na atual agenda do governo nacional. Independentemente da vontade do Executivo, sem os inputs necessários de governabilidade nos sistemas de checks and balances através da articulação com o Congresso e com os grupos de poder, a agenda de defesa nacional continuará sendo considerada “desnecessária”.

 

 

[1] Mestrando em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra

[2] Os dados podem ser consultados no portal do Ministério da Economia, em http://www.fazenda .gov.br/prisma-fiscal

 

 

REFERÊNCIA

 

CORTINHAS, J. O orçamento de defesa dos EUA: racionalidade X pressões domésticas. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 57, n. 2, 2014.