Por Víctor Eduardo Gonçalves Peruchi[1]

 

 

O Peru está entre os maiores países extratores de ouro do mundo, sendo o maior da América Latina[2]. Dentro do seu território, grandes reservas auríferas estão localizadas em áreas isoladas da floresta amazônica, de modo que acabam por atrair grandes aparatos ilegais de mineração. A mineração aurífera ilegal no Peru é fenômeno em forte expansão e preocupa o governo peruano há anos. Desde 2015, já foram gastos 20 milhões de dólares pelo governo em medidas de combate à prática ilegal[3], dentre elas operações militares; contudo, resultados pouco concretos foram atingidos.

 

A região de Madre de Dios, na fronteira com o estado brasileiro do Acre, é um dos principais focos de mineração ilegal no país. Segundo o Monitoring of the Andean Amazon Project, 9.280 hectares de floresta amazônica foram desflorestados na região de Madre de Dios em 2018 por conta da mineração ilegal [4]. Estima-se que seis mil mineradores tenham se instalado na área e que a atividade envolva entre trinta e quarenta mil pessoas[5]. De acordo com a World Politics Review, “políticas inconsistentes, corrupção e pobreza, combinados com o elevado preço do ouro e baixo valor do trabalho, consolidaram a mineração ilegal e informal no Peru[6]”.  A situação é crítica. A prática ilegal de mineração em Madre de Dios tornou-se foco de tráfico de drogas, tráfico de pessoas, tráfico de combustíveis, exploração do trabalho e do trabalho infantil, e exploração sexual[7].  Situações de trabalhos análogos à escravidão são comuns na atividade ilegal da mineração. Estima-se que a Amazônia peruana possua 3.300Km de caminhos florestais, principalmente em Madre de Dios, Ucayali e Loreto, que servem às atividades ilegais de narcotráfico, extração de madeira e plantação de cocaína[8], além de abrir espaço e estrutura para a instalação da mineração ilegal. A polícia peruana aponta que as práticas ilegais associadas à mineração provocaram aumento da violência na região de Madre de Dios[9]. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Informática do Peru, a região registrou em 2017 um índice de 46,6 homicídios por cem mil habitante, ao passo que a média do país foi de 7,8 homicídios por cem mil habitantes. [10]

 

Em vista da situação na região, o governo peruano iniciou, em fevereiro de 2019, o Plano Integral contra a Mineração Ilegal, conhecido por Operação Mercúrio. A operação consiste em intensa ação militar com perspectiva de longa duração, marcando a presença do Estado na região. Tem por objetivo recuperar as reservas naturais devastadas pela mineração em La Pampa, na Província de Tambopata, na região de Madre de Dios, além de realocar residentes para fora de áreas protegidas e resgatar vítimas de tráfico humano e de outras explorações. A operação se desdobra em três fases e está a cargo da Direção do Meio Ambiente da Polícia Nacional peruana, envolvendo atividades de solo, aéreas e de controle militar. A Marinha de Guerra é responsável pelo controle fluvial dos rios Inambari e Malinowski, e a Força Aérea por ações de transporte, vigilância e reconhecimento[11]. Para tal, três aeronaves foram alocadas e mais de 20 mil imagens já foram obtidas[12].

 

A primeira fase da operação, denominada fase de intervención, iniciou-se em 19 de fevereiro último, durou 14 dias e adotou postura mais agressiva. Envolveu 1500 militares, sendo 1200 efetivos da polícia e 300 membros das Forças especiais do Exército, além de 70 fiscais[13]. Junto à operação, no dia 18 de fevereiro, o governo peruano decretou estado de emergência de 60 dias nos distritos de Tambopata, Inambari, Las Piedras e Laberinto, da província de Tambopata, departamento de Madre de Dios. Segundo o texto do diário oficial peruano, El Peruano, o estado de emergência estabelece que a Polícia Nacional do Peru manterá o controle da ordem interna com o apoio das Forças Armadas (artigo 1). Também pode restringir ou suspender o exercício dos direitos constitucionais, a liberdade e segurança pessoas, a inviolabilidade de domicílio, a liberdade de reunião e de trânsito no território (artigo 2)[14]. Ao final do período de 60 dias, foi declarado, em 18 de abril, um novo Estado de Emergência por mais 60 dias expandindo o anterior aos distritos de Madre de Dios e Huepetuhe, da provincia del Manu, departamento de Madre de Dios.[15]

 

No dia 5 de março teve início a fase de consolidación, segunda fase da Operação Mercúrio. Esta deve durar 180 dias e é supervisionada pelos Ministros de Defesa, José Huerta; do Interior, Carlos Morán; e do Ambiente, Fabiola Muño[16]. Uma marca da mesma é a instalação de quatro bases temporárias mistas de alta mobilidade, formadas cada uma por cem efetivos militares da Brigada de Proteção da Amazônia do exército peruano, cinquenta membros da Polícia Nacional e representantes do Ministério Público[17]. A primeira delas, Base ALFA, foi instalada no próprio dia 5 de março. O objetivo da segunda fase da Operação consiste em encarregar-se dos residentes e das vítimas da mineração ilegal.

 

A partir de setembro, terá início a fase de sostenimiento, cuja duração será de dois anos e terá como objetivo o reflorestamento da região[18]. De acordo com José Huerta, as Forças Armadas e a Polícia Nacional do Peru permanecerão na zona de La Pampa até 2021, e destacou que, desde o início da operação, obteve-se controle de 100% da área da Reserva Nacional e 85% da zona de amortiguamiento da reserva [19].

 

Quanto à efetividade e ao sucesso da operação, há incertezas. Uma operação militar como essa poderia complicar ainda mais a situação caótica no Peru. Grupos criminosos na região possuem a característica de serem particularmente violentos. Com relação às ações governamentais anteriores à Operação Mercúrio, estes grupos sabiam com antecedência das ofensivas do governo e fugiam antes delas acontecerem. Assim, há de se considerar uma grande resistência por parte dos mineradores em continuar a prática ilegal da mineração.  O General peruano Takacs Cordero afirmou que mineiros ilegais se refugiaram nos corredores mineiros e nas concessões mineiras legais de Madre de Dios. Estima-se que 15% dos mineiros ilegais estejam na região e pretendam retornar[20]. Assim, tem-se na fronteira brasileira um foco  de instabilidade. A região de Madre de Dios abriga uma densa rede de atividades ilegais e de narcotráfico com elevados indicadores de violência, e que hoje está sob estado de exceção; é, no presente, e continuará sendo - pelos próximos dois anos - palco de ações militares.

 

 

[1] Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília

[2] DUPÉE, Matthew C. Peru’s Militarized Response to Illegal Mining Isn’t Enough to Protect the Amazon. World Politics Review, 21 de mar. de 2019. Disponível em: <https://www.worldpoliticsreview.com/articles/27679/peru-s-militarized-response-to-illegal-mining-isn-t-enough-to-protect-the-amazon>. Acesso em 17 de abr. de 2019.

[3] POST, Colin. Peru spends millions in losing fight against illegal mining. Peru Reports, 10 de mar. De 2019. Disponível em <https://perureports.com/peru-spends-millions-in-losing-fight-against-illegal-mining/3432/> Acesso em 17 de abr. de 2019.

[4]  Monitoring of the Andean Amazon Project. Disponível em: <https://maaproject.org/2019/peru-gold-mining-2018/> Acesso em 17 de abr. de 2019.

[5] DUPÉE, Matthew C. Peru’s Militarized Response to Illegal Mining Isn’t Enough to Protect the Amazon. World Politics Review, 21 de mar. de 2019. Disponível em: <https://www.worldpoliticsreview.com/articles/27679/peru-s-militarized-response-to-illegal-mining-isn-t-enough-to-protect-the-amazon>. Acesso em 17 de abr. de 2019.

[6] DUPÉE, Matthew C. Peru’s Militarized Response to Illegal Mining Isn’t Enough to Protect the Amazon. World Politics Review, 21 de mar. de 2019. Disponível em: <https://www.worldpoliticsreview.com/articles/27679/peru-s-militarized-response-to-illegal-mining-isn-t-enough-to-protect-the-amazon>. Acesso em 17 de abr. de 2019.

[7]  Redacción Multimedia. Fuerzas Armadas y PNP instalan 3 bases en área de operativo "Mercurio 2019". Diario Correo, 5 de mar. de 2019. Disponível em: <https://diariocorreo.pe/peru/fuerzas-armadas-pnp-instalan-3-bases-area-operativo-mercurio-2019-874144/5> Acesso em: 17 de abr. de 2019

[8] DELGADO, Francesca G. Alerta por expansión de caminos forestales en la Amazonía. El Comercio, 2 de abr. de 2019. Disponível em: <https://elcomercio.pe/peru/alerta-expansion-caminos-forestales-selva-noticia-ecpm-631622>.  Acesso em 4 de mai. de 2019

[9] CLAVEL, Tristan. Illegal Gold Mining Fueling Crime, Violence in Peru. Insight Crime, 10 de out. de 2016. Disponível em: <https://www.insightcrime.org/news/brief/illegal-gold-mining-fuels-crime-violence-in-peru/> Acesso em 3 de mai. de 2019.

[10] Homicidios en el Perú, contándolos uno a uno 2011 – 2017. Informe estatistico N 6. Instituto Nacional de Estadistica e Informatica. Disponivel em: <https://www.inei.gob.pe/media/MenuRecursivo/publicaciones_digitales/Est/Lib1532/cap01.pdf> Acesso em 3 de mai. de 2019.

[11] PELCASTRE, Julieta. Operación Mercurio 2019 combate minería ilegal. Dialogo revista militar, 1 de mai. De 2019. Disponivel em:  <https://dialogo-americas.com/es/articles/operation-mercury-2019-counters-illegal-mining>  Acesso em 3 de mai. de 2019.

[12] MARCHESSINI, Alejo. Las Fuerzas Armadas del Perú em la Operación Mercurio contra la minería ilegal. Defensa, 25 de feb. de 2019. Disponível em: <https://www.defensa.com/peru/fuerzas-armadas-peru-operacion-mercurio-2019-contra-mineria> Acesso em 26 de abr. de 2019.

[13] DUPÉE, Matthew C. Peru’s Militarized Response to Illegal Mining Isn’t Enough to Protect the Amazon. World Politics Review, 21 de mar. de 2019. Disponível em: <https://www.worldpoliticsreview.com/articles/27679/peru-s-militarized-response-to-illegal-mining-isn-t-enough-to-protect-the-amazon>. Acesso em 17 de abr. de 2019

[14] Diário Oficial El Peruano, 18 de abr. de 2019. Disponível em: <https://busquedas.elperuano.pe/download/url/declaracion-de-estado-de-emergencia-en-los-distritos-de-madr-decreto-supremo-n-079-2019-pcm-1762048-4> Acesso em 3 de mai. de 2019.

[15] Diário Oficial El Peruano. Disponível em: <https://busquedas.elperuano.pe/normaslegales/declaran-estado-de-emergencia-en-los-distritos-de-tambopata-decreto-supremo-n-028-2019-pcm-1742316-1/> Acesso em 3 de mai. de 2019.

[16] REDACCION EC. Madre de Dios: instalan tres bases militares y policiales en La Pampa. El Comercio, 5 de mai. de 2019. Disponível em: <https://elcomercio.pe/peru/madre-de-dios/madre-dios-instalan-tres-bases-militares-policiales-pampa-fotos-noticia-613673>. Acesso em 3 de mai. de 2019.

[17] DUPÉE, Matthew C. Peru’s Militarized Response to Illegal Mining Isn’t Enough to Protect the Amazon. World Politics Review, 21 de mar. de 2019. Disponível em: <https://www.worldpoliticsreview.com/articles/27679/peru-s-militarized-response-to-illegal-mining-isn-t-enough-to-protect-the-amazon>. Acesso em 17 de abr. de 2019.

[18] PELCASTRE, Julieta. Operación Mercurio 2019 combate minería ilegal. Dialogo revista militar, 1 de mai. De 2019. Disponivel em:  <https://dialogo-americas.com/es/articles/operation-mercury-2019-counters-illegal-mining>. Acesso em 3 de mai. de 2019.

[19] REDACCION EC. Madre de Dios: Fuerzas Armadas y PNP permanecerán en La Pampa. El Comercio, 3 de mai. de 2019. Disponível em: <https://elcomercio.pe/peru/madre-de-dios/madre-dios-fuerzas-armadas-pnp-permaneceran-pampa-mineria-ilegal-noticia-nndc-632051> Acesso em 3 de mai. de 2019.

[20] FLORES, Manuel C. Madre de Dios: un 15% de mineros ilegales intenta retornar a La Pampa. El Comercio, 3 de mai. de 2019. Disponível em <https://elcomercio.pe/peru/madre-de-dios/madre-dios-15-mineros-ilegales-retornar-pampa-noticia-631929> Acesso em 3 de mai. de 2019.