por Luís Martins

 

Podemos mapear no quadro dos principais atores contemporâneos e das potências globais no início o século XXI a União Europeia (UE). É interessante notar, no entanto, que a UE se constitui como um jogador singular no tabuleiro internacional, haja vista que é uma entidade híbrida, que mescla elementos de ordem supranacional, estatal e doméstica, construídos no marco do processo histórico de integração regional europeia. O objetivo desse texto é levantar reflexões acerca da natureza da UE, frente a outras potências globais, que surgiram no último encontro do GEPSI (02/04) quando da discussão da viagem do presidente Xi Jinping à Europa em março de 2019, através das ferramentas da teoria de jogos.

 

A capacidade de a UE exercer poder no cenário internacional se subsome à construção de coalizão entre seus membros. Entretanto, nem sempre isso é possível, haja vista que benefícios podem ser auferidos em quantidade superior pela via individual, ou a partir de uma coalizão menor, do que pela formação da “grande” coalizão da UE. De fato, para que um conjunto ordenado  de atores racionais opte por formar a grande coalizão, , é necessário que, para  e os benefícios provenientes de sua formação , exista um conjunto de distribuições de benefícios , em que os payoffs dos atores individuais  não sejam inferiores aos benefícios advindos de qualquer outra coalizão possível, ou seja, . Diz-se desse conjunto de distribuições, o core do jogo cooperativo (OSBORNE, 2004, p. 239).

 

Qualquer ator extra europeu com interesse em negociar com a UE tem interesse em desfazer a grande coalizão a partir da negociação direta com o conjunto restrito de países que tocam o seu tema específico, afinal de contas, espera-se que haja menor possibilidade de barganha com a grande coalizão. No caso específico da China, o empreendimento da Rota da Seda marítima (figura 1), no quadro da Belt and Road Initiative, favorece o estabelecimento de tratativas com países mediterrâneos, o caso de Grécia e Itália, sendo que este último foi o 1º país do G-7 a aderir à iniciativa na anteriormente aludida visita de Xi Jinping à Europa (TIEZZI, 2019). Qualquer valor  entre o que seria pago à grande coalizão  e o que seria distribuído aos países diretamente envolvidos na negociação  dentro do core poderia ser utilizado para, em nova negociação com , incrementar os payoffs  dos países envolvidos e, ao mesmo tempo, diminuir o gasto total, gerando excedentes para ambas as partes envolvidas. Uma maneira para se escapar disso seria pela destinação dos benefícios  diretamente aos países de , operação realizada dentro do core, porém, é uma alternativa politicamente delicada, haja vista se tratar de oligopolização de recursos de certos membros em detrimento de outros, além de nem sempre todos os membros contarem com amplo poder de negociação dentro da própria coalizão, vide o caso do corte de recursos na UE e a austeridade fiscal e monetária, aprovada e imposta por Bruxelas, que atingiu vários desses mesmos países mediterrâneos pós-crise de 2008.

 

Figura 1 - Belt and Road Initiative

Fonte: The Economist, 2016.

 

Apesar da constatação da fragilidade de arranjos coalizacionais extensos, há que se notar o multilateralismo enquanto princípio-base da UE. Para além de um critério meramente numérico, o multilateralismo implica indivisibilidade e reciprocidade difusa. Nesse último aspecto, a dimensão temporal tem um papel crucial para a determinação do comportamento dos atores individuais, pois se acrescenta o longo prazo como horizonte de análise (KEOHANE, 1986, p. 26), em contraposição à consideração de um único turno de negociação, no curto prazo, como foi feito anteriormente. Podemos considerar que nem sempre o i-ésimo ator é relevante para determinada negociação, assim, existe uma probabilidade  que essa situação aconteça, uma distribuição de Bernoulli, e ele receba , correspondente a , quando decide não participar da grande coalizão. A título de simplificação, mas sem perder generalidade, suponhamos que  não se encontre nos extremos do domínio, pois se assim o fosse os ganhos estariam claros de antemão, e que os benefícios se referem a valores constantes ao longo do tempo, de onde concluímos que o ganho individual do i-ésimo ator em  turnos corresponde a,

Notar que a equação acima é uma soma de distribuições de Bernoulli, originando uma distribuição binomial sobre os ganhos possíveis que o i-ésimo ator pode ter, quando é relevante em  turnos do total . Daí,

Por outro lado, o i-ésimo ator também pode optar por participar de distribuições no core, beneficiando-se com . Comparemos os dois ganhos relativamente para um número suficientemente grande de turnos,

Aproveitando a aproximação da distribuição binomial para a distribuição normal, para  suficientemente grande, pelo teorema de De Moivre–Laplace (WEISSTEIN, 2019),

Não é difícil notar que todos os termos onde  aparece decrescem à medida que se incrementam os turnos, resultando em . Isto é, os ganhos no longo prazo, decorrentes da participação na grande coalizão, são superiores aos ganhos da solução individual, quaisquer os valores  e . Sob essa ótica, é possível compreender algumas das razões para a longevidade do processo de integração europeia, apesar das possíveis dificuldades na formação da coalizão.

 

À guisa de conclusão, o poder da UE se encontra permanentemente em um trade-off entre a barganha coletiva e soluções individuais e entre os ganhos no longo e no curto prazo. Resta saber em que medida a integração europeia ainda é capaz de congregar seus membros em torno de um projeto conjunto, quando grandes desafios se apresentam à unidade da UE, sendo um dos maiores o Brexit.

 

 

Bibliografia

 

KEOHANE, Robert O. Reciprocity in international relations. International organization, v. 40, n. 1, p. 1-27, 1986.

OSBORNE, Martin J. An introduction to game theory. New York: Oxford university press, 2004.

THE ECONOMIST. Our bulldozers, our rules: China’s foreign policy could reshape a good part of the world economy. Disponível em: https://www.economist.com/china/2016/07/02/our-bulldozers-our-rules. Acesso em: 11 abril 2019.

TIEZZI, Shannon. Xi Jinping in Europe: A Tale of 2 Countries. Disponível em: https://thediplomat.com/2019/03/xi-jinping-in-europe-a-tale-of-2-countries/. Acesso em: 3 abril de 2019.

WEISSTEIN, Eric W. de Moivre-Laplace Theorem, 2019. Disponível em: http://mathworld.wolfram.com/deMoivre-LaplaceTheorem.html. Acesso em: 11 abril 2019.