A internacionalização das organizações criminosas brasileiras e presença nas fronteiras com Paraguai, Bolívia e Peru

 

por Ygor Geovanni S. Nunes[1]

           

As principais organizações criminosas brasileiras, dentre as quais e de modo mais saliente, o Primeiro Comando da Capital (PCC), vêm passando por um acelerado processo de internacionalização. Inicialmente, começaram a se expandir em direção ao Paraguai e à Bolívia. Contudo, novas informações indicam que o PCC está se expandindo também na fronteira amazônica, o que passa a incluir também as fronteiras com o Peru e a Colômbia.

Muito recentemente, houve um rompimento entre  facções da Família do Norte (FDN), resultando em um massacre com 55 mortos. Atualmente, essa facção controla os fluxos de droga procedentes do Peru e da Colômbia, com destino aos portos de Belém e Fortaleza. Isso abre espaço ao fortalecimento do PCC na calha do Rio Solimões, centro da rota controlada pela FDN. Além do mais, o PCC já vem criando laços com traficantes peruanos e se aliando a facções criminosas locais de menor porte. Com a FDN enfraquecida, será mais difícil se contrapor ao PCC na região. Na Amazônia peruana, povos indígenas vêm sofrendo com a expansão do tráfico, o que indica que esse espaço tem sido cada vez mais utilizado para fins ilícitos, como cultivo de drogas.

Internamente, alguns esforços têm sido feitos com vistas a frear o avanço do PCC. Quinze de seus líderes foram transferidos de modo a desarticular seu comando. Caso outros  presos venham a assumir papeis de liderança, serão transferidos a presídios federais também. O Atlas da Violência 2019, recentemente publicado, traz à tona a questão da guerra entre facções. Conflitos entre elas, especialmente nas regiões Norte e Nordeste talvez expliquem o aumento de homicídios no país. O Ceará tem sido cada vez mais utilizado como rota do tráfico, onde predominam os Guardiões do Estado (GDE). Essas regiões são estratégicas para controlar os fluxos de drogas oriundos do Peru e Colômbia.

Dados de apreensão de drogas indicam tendências quanto à expansão do crime organizado na região. Na fronteira sul do Mato Grosso do Sul, quadruplicaram as apreensões de cocaína. Ultimamente, cargas de soja e milho têm sido cada vez mais utilizadas para transportar drogas (são duas safras anuais para cada). Em um relato do jornal Campo Grande News, traz-se uma entrevista em que um motorista admite transportar drogas: “O motorista Julian Centurion Ovelar, 35, morador de Ponta Porã, confessou que estava transportando cocaína pela terceira vez para ganhar R$ 12 mil. Mas geralmente os motoristas do tráfico dissimulam o valor. O pagamento para uma carga desse tamanho chega a R$ 100 mil”. Além disso, estão ocorrendo mais apreensões de cocaína na fronteira com o Paraguai do que na fronteira com a Bolívia, o que indica que pode estar ocorrendo uma espécie de “efeito balão”, fenômeno no qual em uma localidade se endurece a fiscalização, fazendo com que o tráfico e atividades criminosas se desloquem para lugares onde as autoridades são menos rígidas. Aumentou também em 95% a quantidade de cocaína apreendida no porto de Santos. Estima-se que o tráfico movimente cerca de 17 bilhões de reais anualmente no país.

O PCC recentemente assumiu também rotas de cigarro paraguaio que eram controladas por máfias locais. As operações da PF e da PRF as enfraqueceram, mas descuidaram do PCC, que se aproveitou e assumiu esse espaço. Na fronteira de Ponta Porã, em Pedro Juan Caballero, ocorreu um massacre no qual morreram seis pessoas. O ministro-chefe da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai (SENAD), Arnaldo Giuzzio, afirmou que possivelmente essas mortes foram encomendadas por narcotraficantes brasileiros do PCC como retaliação a traficantes locais.

As últimas notícias parecem indicar que o PCC está criando um gigantesco cartel de drogas, o que muitos já chamam de Narcosul e que abrangeria as rotas com Paraguai e Bolívia, estando em curso um processo de disputa pelas rotas mais ao norte com Colômbia, Venezuela e Peru. O enfraquecimento da FDN pode abrir espaço para que o PCC passe a controlar essas rotas.

Internamente, as medidas de enfrentamento às organizações criminosas tem se demonstrado inefetivas. Recentemente, o Presidente Jair Bolsonaro assinou lei que permite internação forçada de usuários de drogas. Mesmo assim,  não se percebeu nenhuma mudança na política antinarcóticos, o que deverá manter as mesmas condições que permitiram o nascimento e ascensão do PCC. A atual conjuntura nutre e confirma a tendência de expansão do tráfico de drogas em direção ao Brasil, seja para abastecer o mercado do país ou para otimizar as rotas em direção aos continentes africano e europeu, alimentando assim a violência internamente e a instabilidade no próprio país e em seu entorno.

 

Referências bibliográficas

 

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[1] Graduando em Relações Internacionais.