por Mariana Jorge Sá

 

Em 05 de maio de 2019, o governador do Estado de Roraima, Antônio Denarium, se pronunciou acerca da crise migratória de venezuelanos que chegaram ao Brasil através da fronteira entre os dois países em Roraima, e pediu ajuda ao Congresso Nacional para lidar com os impactos financeiros e estruturais que a crise trouxe para o estado. Esses impactos podem ser percebidos em algumas áreas específicas, como:

 

Na saúde (...) 50% dos leitos estão ocupados por venezuelanos e hoje, 40 dos 46 bebês internados na UTI neonatal na capital Boa Vista, são filhos de venezuelanas (...) Na educação, 5 mil vagas na rede estadual são de venezuelanos. A área de segurança também foi afetada, (...) dos 2,7 mil detentos em Roraima, 300 são venezuelanos (Correio Braziliense, por Agência Brasil,  09/05/2019, 17h18).

 

Os dados, coletados pela Subcomissão Temporária sobre a Venezuela do Senado, apontam para alguns problemas que podem surgir caso não haja um apoio e uma revisão na verba do Fundo de Participação dos Estados (FPE) para Roraima. Caso não sejam solucionados, esses problemas podem gerar, além de consequências de curto prazo, uma situação de insegurança estrutural tanto para os roraimenses quanto para os próprios venezuelanos.

 

Levando em conta a segurança como uma política pensada e organizada com base nas percepções e relações com outros Estados e que, ao invés de já seguirem uma lógica pronta e certa, realizam-se de acordo com os comportamentos dos agentes inseridos em uma realidade específica (BALZACQ, 2010), no caso da crise migratória dos venezuelanos no Brasil ela deve ser pensada de acordo com o fluxo de pessoas que chega todos os dias no país. O Brasil nunca recebeu tantas pessoas em tão pouco tempo e isso fez com que não houvesse, anterior à chegada dos venezuelanos, uma política migratória nacional segura e bem articulada, que estivesse pronta e conseguisse apoiar e receber os migrantes com todas as devidas condições e recursos necessários. Esse despreparo configura uma situação de falta de segurança na fronteira brasileira e fora dela, em especial para os indivíduos mais vulneráveis, e é necessário que o comportamento dos agentes envolvidos se molde adequadamente a essa nova realidade.

 

Apesar de alguns fatores negativos da crise afetarem os roraimenses, essa situação, do ponto de vista da segurança, apresenta os imigrantes como os mais afetados pela insegurança, de diversas formas e nas três fases do processo de migração, quais sejam: i) por decidirem migrar, e o fato de estar havendo uma crise migratória e uma evasão em massa de pessoas da Venezuela, significa que os venezuelanos não se sentem seguros no próprio país; ii) ao atravessarem a fronteira, eles passam também por diversas situações de insegurança, como fome, perigo de sofrerem qualquer tipo de violência de contrabandistas e coiotes, perigo por estarem desabrigados, riscos de doenças sem poder obter devido atendimento médico, entre outros; e iii) ao chegarem no Brasil, a insegurança também está presente, porque mesmo que o país esteja em condições bem melhores que a Venezuela, elas não necessariamente chegam aos migrantes, o que frustra muitas expectativas dos que não conseguem emprego, não possuem documentação, têm seus direitos humanos violados ao não conseguirem condições básicas de acolhimento, além da xenofobia e descaso que recebem dos brasileiros.

 

Olhando-se pela lógica construtivista, pode-se dizer que os instrumentos, instituições e mecanismos de defesa de direitos dessas pessoas ainda não se moldaram à realidade brasileira, tampouco fizeram com que o comportamento dos agentes se transformasse de maneira positiva para a construção de uma política migratória inclusiva e efetiva para todos.

 

O Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH publicou um relatório em janeiro do ano passado sobre as situações de violações de Direitos Humanos que ocorreram com a chegada dos venezuelanos e propôs uma série de recomendações, entre elas uma articulação entre entidades da assistência social e o Ministério do Trabalho, com o intuito de fornecer postos produtivos no Brasil para os venezuelanos para que eles melhorem suas condições sociais. É necessário que o governo do Brasil, além do nível internacional como país signatário de acordos em defesa dos direitos humanos, seja mais articulado em suas três esferas (federal, estadual e municipal) para garantir a segurança dos venezuelanos. Há que se ter uma maior articulação entre ONGs, a ONU (através da ACNUR) e o governo brasileiro para dar condições básicas de acolhimento nos locais de recebimento e trato dos migrantes, como a Operação Acolhida por exemplo, instrumento do Exército brasileiro para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente do fluxo migratório. Contudo, apesar de ser necessária uma ação multidimensional, aparentemente a atuação nacional tem sido mais efetiva que a internacional.

 

No âmbito internacional, os Estados, especialmente da América Latina e os Estados Unidos, não conseguiram causar uma mudança positiva no cenário da Venezuela para que ela garantisse a segurança da sua população. O trabalho mais expressivo nessa situação é o das Nações Unidas mas a instituição, contudo, não consegue manter a paz, nem no país, pois tenta não ferir os princípios internacionais de soberania e não-interferência, nem na fronteira. As ações com o objetivo de manter a paz da ONU, como apontado por Virginia Fortna, também não garantem que novos conflitos não venham a ocorrer no futuro, assim como o ACNUR não pode garantir que o fluxo migratório será contido ou solucionado para todos que querem migrar de um país para outro ou que essas pessoas não vão ter seus direitos básicos violados, no seu país de origem ou de destino, no futuro (FORTNA, 2004).

 

 

REFERÊNCIAS

 

BALZACQ, T. Constructivism and Securitization Studies. In. CAVELTY, M. D.; MAUER, V. The Routledge Handbook of Security Studies. Routledge: London, 2010, p.56-72.

 

FORTNA, V. P. Interstate Peacekeeping: Causal Mechanisms and Empirical Effects. World Politics, v. 56, n. 4, 2004, p. 481-519.

 

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/05/09/interna-brasil,754112/roraima-pede-apoio-para-conter-impactos-da-migracao-de-venezuelanos.shtml

 

https://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-do-exercito/-/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/operacao-acolhida-nucleo-familiar-e-preservado-nos-abrigos-para-imigrantes-em-boa-vista-e-pacaraima-

 

https://nacoesunidas.org/numero-de-refugiados-e-migrantes-da-venezuela-no-mundo-atinge-34-milhoes/

 

https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2018/05/relatorio-sobre-violacoes-de-direitos-humanos-contra-imigrantes-venezuelanos.pdf