Por Tobias de Alcantara do Nascimento.

 

Há quase dez anos as duas maiores economias do mundo pertencem aos Estados Unidos e a China, respectivamente. O vigoroso e incomparável crescimento econômico chinês nos últimos anos vem representando uma ameaça a hegemonia americana e tal fato fomentou o advento de uma guerra comercial entre essas duas potências, a qual apresenta novos contornos a cada dia que se passa no corrente ano.

 

Possuindo um déficit comercial com Pequim tangente aos US$ 400 bilhões, conforme Censo de 2018,  e com justificativa de atenuar tal déficit, Washington  anunciou, neste ano, que o aumento do imposto alfandegário que fora prenunciado ainda em 2018, de 10% para 25%, iria começar a vigorar, sobre US$ 200 bilhões de produtos chineses e, de mesmo modo, uma outra taxação de 25% sobre outros US$ 325 bilhões de exportações chinesas também entraria em vigência.

 

Ademais, em uma outra forma de legitimar as medidas tarifárias, os Estados Unidos alegaram que sua  segurança cibernética tem sido ameaçada, uma vez que a propriedade intelectual de empresas americanas está sendo roubada e tais empresas estão sendo forçadas a transferir tecnologia para a China. Além disso, alegou-se que os chineses têm subsidiado injustamente suas estatais, com empréstimos baratos que as ajudam a competir no exterior em diversos setores, gerando, assim, uma concorrência desleal com empresas americanas e, consequentemente, dificultando o acesso e a inserção em múltiplos mercados.

 

É inequívoco, porém, que o combate aos produtos “Made in China”, os quais têm se tornado cada vez mais preponderantes na economia global têm sido uma das formas que Trump utiliza para tentar reduzir o crescimento econômico chinês hostil para supremacia comercial tecnológica americana. Como já apurado pelo Banco Central chinês, a elevação das tarifas sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses pode impactar negativamente  o crescimento do PIB em 0,3 pontos percentuais.

 

Claramente, houve um descontentamento da China mediante as decisões e declarações dos Estados Unidos e, como resposta, anunciou-se que haveria retaliação com uma taxação sobre US$ 110 bilhões de produtos americanos e com um aumento no imposto sobre outros US$ 60 bilhões de mercadorias. O governo chinês afirmou que não se renderia a pressões externas.

 

Diante desse impasse nas negociações comerciais e da recente proibição da Huawei, fabricante chinesa de equipamentos para telecomunicações e a segunda maior fabricante de smartphones do mundo em volume, de atuar nos EUA, a reação chinesa parece conter dois elementos principais: retórica nacionalista e mobilizadora, a qual atribui aos EUA o propósito de conter o desenvolvimento da China e manter seu papel de potência hegemônica e a ideia de que o país tem adotado uma política prudente de conciliação e diálogo. Contudo, na ausência  de reciprocidade americana, a China está preparada para tomar as medidas para defender seus interesses em um conflito que pode vir a se estender.

 

Apesar de ambos os países justificarem a contenda utilizando-se de argumentos como proteção de mercado interno e apreço pela segurança nacional, é evidente que se estabelece no cerne dessa guerra comercial, uma luta pelo domínio tecnológico. Do mesmo modo em que os americanos almejam manter sua vantagem sobre os chineses no setor, os asiáticos ensejam ultrapassar os americanos e firmar sua superioridade na área tecnológica.

 

É imperativo ressaltar que as relações entre essas duas potências ecoam significativamente sobre o resto dos países do mundo, os quais possuem consideráveis parcerias e/ou até mesmo dependências comerciais com essas potências.  Assim, pensando no provérbio africano “quando os elefantes brigam quem sofre é a grama”, evidencia-se, no contexto da disputa sino-americana, a grama como os outros Estados do sistema internacional só observando e “sofrendo” as mais graves consequências dessa briga entre as maiores economias da contemporaneidade, devido à alta sensibilidade das relações econômicas internacionais  ao mercado das potências em questão.  Na disputa em análise, observa-se, por exemplo, que não somente o mercado financeiro de ambos os países têm sido  afetado pelas incertezas econômicas atinentes às medidas protecionistas dos mesmos, mas também a segurança econômica internacional têm sido impactada na medida em que tem-se observado reverberações na economia global com importantes bolsas mundiais operando em queda, corroborando, a título de exemplo, para que o dólar ultrapassasse a marca de R$ 4,00 na BOVESPA.

 

Ante a realidade supracitada, grandes empresas de ambos os países estão se inclinando a tomar medidas, como a transferência de instalações de produção, as quais prejudicam diretamente o proletariado, contribuindo para a perda da empregabilidade dos mesmos e para uma possível crise econômica maior no médio prazo. Destarte, os países, no certame em questão, têm aparentado agir no esquecimento de que, conforme exposto no 1º Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa de Desenvolvimento da ONU de 1990, as  pessoas devem estar no centro de todo desenvolvimento e, assim, embora o crescimento do PIB seja importante, mais importante é estudar como esse crescimento traduz ou falha em traduzir o Desenvolvimento Humano.

 

Contudo, nota-se que as recentes visitas de comitivas chinesas aos Estados Unidos e o  contato telefônico entre o Chanceler Wang Yi e o Secretário de Estado Mike Pompeo, parecem indicar que os canais diplomáticos de diálogo ainda continuam abertos para uma breve resolução, mas, em termos bilaterais bem mais duros.

 

O fato é que pelos países estarem regidos pela Anarquia Internacional, a incerteza instaura-se como core das relações internacionais e percebe-se bem sua ilustração no desenvolver dessa guerra comercial, a qual têm se tornado cada vez mais imprevisível, ganhando novos capítulos a cada dia. Será que um acordo entre os países está por vir? Ou será que experimentaremos tempos difíceis, como o presidente chinês Xi Jinping mencionou em seu discurso à mídia estatal no último dia 22? Infelizmente, não se há respostas para tais indagações, todavia, sabe-se que o país que logrará êxito na disputa será aquele que tiver considerado não somente cenários positivos para si, mas aquele que tiver se preparado até para o Black Swan.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

Preparem-se para tempos difíceis, adverte presidente chinês em meio a guerra comercial. Disponível em <https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/05/22/preparem-se-para-tempos-dificeis-adverte-presidente-chines.ghtml> Acesso em 26 de maio de 2019

 

FIERKE, K. M. Chapter 7: Human Insecurity. Critical Approaches to International Security (p. 156-175)