por Robson Cunha Rael, mestrando em Relações Internacionais (IREL/UnB)

 

As operações militares do Império Alemão, durante a Primeira Guerra Mundial, e do Terceiro Reich, durante a Segunda Guerra Mundial, são as ações das forças armadas da Alemanha mais lembradas pela academia e pela mídia. No entanto, a geopolítica germânica, envolvendo teatros de ações militares, não se restringe aos períodos imperial e nazista. O Estado Alemão, em sua era democrática da República Federal da Alemanha1 , também faz emprego estratégico de suas forças armadas, a Bundeswehr (que substituiu a Wehrmarcht dos tempos do nazismo).

 

A Bundeswehr foi estabelecida em 1955, ano no qual a República Federal da Alemanha aderiu à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)2 . Entretanto, foi no final dos anos 1990 que a Bundeswehr começou a ampliar o âmbito de suas operações, sempre com a aprovação do parlamento alemão, o Bundestag. Tais atuações militares fazem parte de missões e operações lideradas por instituições internacionais, como as Nações Unidas, a OTAN ou a União Europeia. Kosovo, Afeganistão, Líbano, Sudão, Sudão do Sul, Djibuti, Saara Ocidental, Síria, Iraque e Mali são países que receberam militares alemães, além das regiões do Mar Mediterrâneo, do Golfo de Áden e da porção ocidental do Oceano Índico (próximo ao Chifre da África)3 . Citam-se abaixo, em maiores detalhes, algumas dessas operações.

 

Desde 1999, a Kosovo Force (KFOR) está em ação para prover estabilidade ao Kosovo. Trata-se de uma operação liderada pela OTAN e derivada do mandado da Resolução 1244 (1999) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O objetivo é apoiar a construção pacífica de um Estado de Direito Democrático e multiétnico4 . O Bundestag autorizou a participação da Bundeswehr na KFOR em 11 de junho de 19995.

 

Em nome das Nações Unidas, a International Security Assistance Force (ISAF)6 contribuiu com a estabilização do Afeganistão de 2003 a 2014, para que o seu território nunca mais fosse base do terrorismo internacional. A Bundeswehr participou desde o início, sendo responsável pelo norte do país. A ISAF foi a sua primeira missão de combate. A partir de 1º de janeiro de 2015, iniciou-se a ISAF Resolute Support, com foco em atividades de treinamento e consultoria para a consolidação das realizações da ISAF7 .

 

Desde 2006, está em atuação na costa do Líbano a United Nations Interim Force In Lebanon (UNIFIL)8 , que objetiva o controle marítimo e combate ao contrabando de armas. Em 13 de setembro de 2006, o Bundestag aprovou a participação da Bundeswehr na UNIFIL. A atuação alemã conta a presença de soldados e unidades navais, que treinam a marinha libanesa, entre outras atividades9 .

 

O Bundestag decidiu, em 2007, pela participação da Bundeswehr na African Union/United Nations Hybrid Operation in Darfur (UNAMID)10 . Trata-se de uma missão de paz (peacekeeping) aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelo Conselho de Paz e Segurança da União Africana, com a concordância do governo do Sudão, para a proteção da população civil e monitoramento do cessar-fogo. Com a independência do Sudão do Sul em 2011, a missão se tornou a United Nations Mission in the Republic of South Sudan (UNMISS)11 . A atuação alemã envolve 50 soldados, principalmente como observadores.

 

Atalanta é o nome de uma operação liderada pela União Europeia, que objetiva combater ataques piratas no Chifre da África12 . Importantes rotas de comércio passam pelo Golfo de Áden, pelas costas de Somália, Djibuti e Iêmen e pelo estreito de Bab el-Mandeb. Em 19 de dezembro de 2008, o Bundestag decidiu pela participação da Bundeswehr na operação Atalanta, com a presença de 400 militares, incluindo unidades navais que utilizam a base francesa no Djibuti13.

 

A United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara (MINURSO)14 monitora o cessar-fogo entre o Reino do Marrocos e o movimento de libertação Frente Polisario, que proclamou a República Árabe Democrática do Saara. A realização de um referendo para deliberar acerca do status do Saara Ocidental é o principal objetivo da missão. Em 2013, a Alemanha decidiu participar com militares observadores15.

 

Depois dos atentados terroristas de Paris, em 13 de novembro de 2015, o Bundestag decidiu, em 4 de dezembro, apoiar militarmente a coalizão internacional contra o Estado Islâmico (na Síria e no Iraque). A Bundeswehr participa dos combates com jatos de reconhecimento e navios-tanque Airbus. As unidades são baseadas em Al-Asrak na Jordânia e a atuação alemã é limitada a 800 militares. A Bundeswehr também atua treinando e fornecendo consultoria às forças de segurança iraquianas (“capacity-building”)16.

 

A operação Sea Guardian da OTAN17 é designada para contribuir com a segurança do Mar Mediterrâneo, bem como para fortalecer o flanco sul da Aliança. A área operacional inclui o Mar Mediterrâneo e o Estreito de Gibraltar, havendo a presença de unidades de marinha e aeronáutica. Entre as atividades, estão a busca e a inspeção de navios com suspeita de relações com organizações terroristas. O Bundestag decidiu, em 29 de setembro de 2016, pela participação da marinha alemã (Marine) na
operação Sea Guardian, com a presença de 650 militares18.

 

A Multidimensional United Nations Integrated Stabilization Mission in Mali (MINUSMAM)19 busca manter a paz no Mali (peacekeeping), com 11.000 militares. O país passou por uma guerra civil e as partes envolvidas assinaram um acordo de paz no ano de 2015. Em 2018, o Bundestag decidiu pela participação de até 1.100 soldados da Bundeswehr. A presença alemã no país conta com helicópteros de transporte NH-90 e helicópteros de combate Tiger. Entre os equipamentos da companhia de reconhecimento estão drones e tanques de observação Fennek. Os esforços na MINUSMAM complementam a participação da Alemanha na European Training Mission Mali (EUTM), a qual é liderada pela União Europeia. O objetivo de tal missão é treinar as forças de Mali para restaurar a integridade do Estado no norte do país20.

 

 

Figura 1: Mapas das missões e operações com a participação da Bundeswehr

Fonte: Sítio oficial da Bundeswehr.

 

 

A atuação militar da Alemanha nas duas primeiras décadas do século XXI concentra-se no Mediterrâneo, no norte da África e no Oriente Médio. Dos dados acima, pode-se inferir que para o Estado alemão há uma racionalidade envolvendo as
localizações geográficas, no que tange as decisões de participar ou não de missões e operações militares. Até outubro de 2019, não houve participação da Bundeswehr em missões como United Nations Mission For Justice Support In Haiti (MINUJUSTH), Special Envoy Myanmar e Personal Envoy Mozambique 21 , provavelmente por serem em países muito mais distantes do território alemão, em comparação com os países que receberam tropas germânicas. As localizações geográficas mostram-se mais uma vez relevante para decisões de política externa. A geopolítica alemã para as suas forças armadas foca em regiões e continentes adjacentes à Europa. Na área militar, ainda não há uma “weltpolitik” para a democrática República Federal da Alemanha, como há para os Estados Unidos e, em menor grau, para o Reino Unido.

 

 

NOTAS

 

1 Acerca do regime democrático, pode-se observar um indicador da democracia alemã atribuído pela organização Freedom House, que identificou o score de liberdade de 94/100 para a Alemanha, o que deixa o país europeu entre os 20 mais democráticos do mundo. Mais informações em: https://freedomhouse.org/report/freedom-world-2018-table-country-scores Acesso: 15/10/2019, às 8h04.
2 https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_52044.htm Acesso: 05/10/2019, às 20h53.
3 https://www.bundeswehr.de Acesso: 05/10/2019, às 20h57.
4 https://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_48818.htm Acesso: 05/10/2019, às 22h06.
5 https://www.bundesregierung.de/breg-de/aktuelles/kabinett-verlaengert-kfor-einsatz-1613592 Acesso: 07/10/2019, às 23h39.
6 https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_69366.htm Acesso: 14/10/2019, às 18h38.

7 https://www.bundeswehr.de Acesso: 05/10/2019, às 20h57.

8 https://unifil.unmissions.org/ Acesso: 14/10/2019, às 18h48.
9 https://www.bundeswehr.de Acesso: 05/10/2019, às 20h57.
10 Idem.
11 https://unmiss.unmissions.org/ Acesso: 14/10/2019, às 18h51.
12 https://eunavfor.eu/ Acesso: 14/10/2019, às 18h52.
13 https://www.bundeswehr.de Acesso: 05/10/2019, às 20h57.
14 https://minurso.unmissions.org/ Acesso: 14/10/2019, às 18h58.

15 https://www.bundeswehr.de Acesso: 05/10/2019, às 20h57.
16 Idem.
17 https://www.nato.int/cps/em/natohq/topics_136233.htm 14/10/2019, às 19h04.
18 https://www.bundeswehr.de Acesso: 05/10/2019, às 20h57.
19 https://minusma.unmissions.org/en Acesso: 14/10/2019, às 19h07.
20 https://www.bmvg.de/de/themen/dossiers/engagement-in-afrika/einsaetze-in-afrika/mali/minusma Acesso: 07/10/2019, às 20h04.