Por Letícia Machado Farias 1

 

Em meio à onda de instabilidade política que irrompeu na América do Sul, o Chile presenciou a eclosão de enormes manifestações políticas e sociais, dirigidas por diversos setores de sua população. A onda de protestos do país começou dia 18 de outubro, com uma série de atos contra o aumento no preço da passagem do metrô, o estopim dos problemas que revelou a fragilidade do chamado milagre chileno. A reação imediata do presidente Sebastian Piñera às manifestações foi o decreto do Estado de emergência, do toque de recolher e da presença do exército nas ruas das principais cidades.

 

  • A ditadura de Pinochet deixou como herança uma Constituição e um consenso político baseado em democracia, livre-mercado e neoliberalismo. Além disso, pairava sob o Chile, após a redemocratização, o conceito de privatização de serviços básicos como a saúde e a educação, além de uma das maiores desigualdades sociais da região.

 

  • O reajuste da passagem de metrô foi suspenso pelo presidente, Sebastian Piñera, mas os manifestantes continuaram nas ruas em meio a uma crítica generalizada a um modelo econômico que, por detrás do êxito de seus índices macroeconômicos, escondia um profundo descontentamento social.

 

  • As manifestações deixaram 26 mortos, dezenas de pessoas com a visão prejudicada, milhares de presos e vários policiais indiciados por casos de tortura. A repercussão da violação dos Direitos Humanos foi acompanhada pela ONU, que revelou um relatório sobre o uso da força excessiva na repressão dos movimentos.

 

  • Em meio ao recuo político, foram anunciadas medidas como o corte de 50% do salário dos parlamentares, auxílio para mais de um milhão de famílias carentes e a provação de uma lei de aumento gradual das aposentadorias mais baixas do país. As manifestações ainda levaram o presidente a propor a convocação de uma constituinte, caso aprovada em plebiscito de consulta popular, a ser realizado em 2020.

 

Em consonância com a instabilidade política tomou o cenário de diversos países sul-americanos, a crise chilena evidenciou uma série de vulnerabilidades da região. Dessa forma, o protagonismo de segmentos populares resultou, após um interregno de brutal repressão policial, ao acatamento, por parte do Presidente e dos poderes políticos, de uma série de demandas das manifestações. Após a adoção de uma tática de concertação política do governo com os populares, já se percebe uma evidente redução no ciclo das manifestações, esboçando uma tendência de estabilização momentânea dos agudos conflitos que despontaram no país. Resta, contudo, acompanhar os desdobramentos das medidas tomadas nos meses finais de 2019 para melhor avaliar as perspectivas de estabilidade no Chile e na região nos primeiros meses de 2020.

 

1 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora da linha Entorno Estratégico Brasileiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI).