Por Isabela Castro Andrade da Silva 1

 

A eleição presidencial boliviana, ocorrida no dia de 20 de outubro de 2019, aconteceu em contexto atípico, uma vez que a oposição à Evo Morales, há anos eleitoralmente inábil, ganhou relevância, a ponto de esboçar força para desafiá-lo nas urnas. O desrespeito de Evo ao resultado do referendo realizado em 2016 – no qual 51,3% dos votantes opôs-se à oportunidade de sua terceira reeleição presidencial – causou insatisfação por parte da população, materializando a chance que a oposição aguardava. Após uma apuração de votos que durou cerca de quatro dias, e que chegou a ser interrompida, Evo foi anunciado como vencedor do pleito, com 48,08% dos votos, cumprindo a exigência constitucional de estar 10 pontos percentuais a frente do segundo colocado e com o mínimo de 40% dos votos. A oposição não aceitou o resultado, alegando fraude eleitoral, e convocou uma greve nacional, dirigindo manifestações nas quais foi queimada a sede do Supremo Tribunal Eleitoral, assim como residências de dirigentes partidários e dos poderes públicos. 

 

  • Progressivamente, a liderança dos movimentos de oposição passou das mãos de Carlos Mesa - ex-presidente boliviano, de perfil moderado - para Luis Fernando Camacho, presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, de tradicional reduto oposicionista, com perfil mais radicalizado. No dia 31 de outubro, Camacho conclamou as lideranças militares para estarem ao lado do povo, exigindo, no dia 04 de novembro, que Evo renunciasse dentro de 48 horas. 

 

  • No dia 10, após Evo ceder às pressões e convocar novas eleições, o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, Williams Kaliman, solicitou a renúncia do presidente, que assim o fez, alegando buscar pacificação do país. Embates entre apoiadores e oposicionistas continuaram a ocorrer nas ruas, enquanto Evo recebia asilo político no México e todos os seus eventuais sucessores renunciaram aos cargos, gerando um enorme vácuo de poder.

 

  • Um dos grandes trunfos políticos da era Evo foi a capacidade deste prover contínuo crescimento econômico ao país durante suas gestões. Nessa esteira, garantiu a elevação dos níveis de vida de grande parte do povo, permitindo que a extrema pobreza despencasse de 38,2% para 17,8% da mesma.  A economia boliviana é fortemente amparada na cadeia de produção de hidrocarbonetos, vide o gás natural exportado para o Brasil.

 

  • Com o aval do Senado boliviano, Jeanine Áñes tornou-se a presidente interina do país, prometendo convocar novas eleições para evitar que a Bolívia seguisse na corrente espiral de violência. Apesar da autorização para a participação do MAS no pleito, este não poderá indicar Evo Morales e Alvaro García Linera para os cargos executivos.

 

Atualmente, Evo Morales encontra-se asilado na Argentina e continua a atuar politicamente para influenciar as futuras eleições. O ex-presidente foi nomeado chefe de campanha de seu partido, o Movimento ao Socialismo. O impacto das repercussões da crise política boliviana afeta e envolve outros países sul-americanos, o que fica evidente nos pontos supracitados. Cabe destacar que o prolongamento da crise política também pode repercutir no fornecimento de gás natural ao Brasil, uma vez que a instabilidade política no país pode levar a confrontações que afetem também os meios de produção nacional. Ao longo deste curto período pós-eleições o país esteve à beira de uma guerra civil, ameaça expressa abertamente pelos manifestantes. No entanto, o nível de agitação política refluiu. A efetivação das eleições e seus respectivos efeitos sobre a sociedade boliviana determinarão, em grande parte, os rumos do atual impasse, bem como eventuais impactos deste para o conjunto do entorno sul-americano.

 

1 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora da linha Entorno Estratégico Brasileiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI).