Por Clarissa Dias Nascimento 1

 

No dia 3 de outubro de 2019, o presidente equatoriano Lenín Moreno instituiu medidas de austeridade com o objetivo de atender às recomendações feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A mais conhecida foi a retirada dos subsídios do governo à compra de diesel e gasolina, pelo decreto 883. Essa, que afetou principalmente os utilizadores do transporte público, foi somente o estopim para a realização de imensas mobilizações da população, que duraram cerca de 11 dias deixando 1340 civis feridos e 11 mortos, fazendo com que o Governo mudasse sua sede, de Quito para Guayaquil, temporariamente. 

 

  • O Equador, que possui como moeda nacional o dólar americano, é altamente influenciado pelo cenário econômico externo, uma vez que depende da exportação de commodities. Sua balança comercial apresenta déficit desde 2008, e as políticas implementadas pelo governo para remediar isso, como o acordo com o FMI, implicam restrições ao poder de compra da população. 

 

  • Desde a sua redemocratização, a situação política do Equador é predominantemente instável e marcada por disputas que costumam transcender os limites da institucionalidade. Entre 1997 e 2005, por exemplo, houve três deposições presidenciais pelos mais diversos motivos.  

 

  • Além de retirar subsídios à compra de diesel (que o encareceu cerca de 120%) e de gasolina (encarecendo-a em 25%), as medidas de austeridade também contavam com diminuição de até 20% nos salários de pessoas contratadas temporariamente pelo setor público, além de modificação no período de férias dos funcionários públicos, reduzindo-o de 30 para 15 dias. 

 

  • A onda de protestos teve um desfecho negociado. Moreno convocou diálogos com as principais lideranças políticas dos atos, especialmente com a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), revogando o decreto 883.

 

Apesar da turbulência inicial – com conflitos entre manifestantes e forças policiais, transposição da sede do governo e diversas ocorrências que resultaram até mesmo em mortes -, o governo de Moreno adaptou, num segundo momento, sua estratégia de reação às manifestações. Negociando principalmente com a CONAIE, força política com maior protagonismo no conjunto dos atos, chegou a um termo capaz de pacificar, ao menos momentaneamente, o cenário do país. Assim, obteve respaldo popular para a continuidade de seu mandato, apesar de se ver forçado a revogar algumas medidas que pretendia implementar. Sendo assim, ainda que inaugurando uma onda de manifestações que, por motivações distintas, tomou diversos países sul-americanos, como o Chile e a Bolívia, conclui-se que a curta crise equatoriana não demonstrou maior potencial de transbordamento para além das fronteiras do país.

 

Isso, contudo, não a coloca como um fato isolado ou idiossincrático. É, assim como as crises recorrentes em outros países da América do Sul, exemplo de uma condição política e social assentada em fragilidades econômicas que acometem as populações dos países da região, coadjuvadas por políticas que se mostram limitadas quando não contraproducentes em seus propósitos de transformar as realidades sociais e econômicas destas mesmas populações. 

 

Graduanda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora da linha Entorno Estratégico Brasileiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI).